Descrição
No Brasil, são as trabalhadoras domésticas que assumem, em geral, as práticas de cuidado com a casa e com os filhos das famílias empregadoras. São elas que viabilizam, com sua mão de obra, que as mulheres que as empregam, em sua maioria brancas e com mais recursos, liberem-se dos serviços da casa e possam exercer atividades profissionais (ainda que de maneira remota), enquanto os homens, majoritariamente, seguem liberados social e simbolicamente para o mesmo fim.
O trabalho doméstico remunerado fundamenta-se, então, numa relação entre mulheres, a que contrata e a que o realiza. Apesar de os homens da família terem a possibilidade de exercer poder sobre a trabalhadora doméstica, quem é tradicionalmente colocada como responsável por orientar, ensinar os modos de fazer o serviço doméstico de acordo com os costumes daquela família e de quem é “cobrada a fatura” caso a trabalhadora não cumpra como deveria suas atividades, é a patroa.
Gustavo Matta e colaboradores (2021) destacam que, apesar de a pandemia da Covid-19 configurar-se numa amplitude global, há singularidades regionais, sociais, políticas que particularizam o fenômeno. De acordo com os autores: "A crítica à concepção universalista sobre os sujeitos sociais, o espaço e o movimento considera a necessidade de estabelecer relações com outros marcadores sociais, como raça, gênero, classe social, sexualidade, territórios e dinâmica social e econômica" (MATTA et. al., 2021, p. 15-16). A pesquisa que estamos propondo pretende contribuir com esse tipo de reflexão tomando como eixo analítico o trabalho doméstico.
Consideramos que o trabalho doméstico no país conjuga várias opressões interseccionais: “a força de trabalho é recrutada entre mulheres, as quais geralmente provêm daquelas camadas mais pobres e com índices menores de escolaridade, características sobrepostas por uma forte marca de racialização” (BRITES, 2013, p. 429). Esse tipo de trabalho e as relações de poder que o envolvem configuram-se, a nosso ver, como uma síntese da lógica colonial, que “imputa à mulher negra, em geral, o status de sub-humana, destituída de capacidade intelectual, coisificada sexualmente e trabalhadora braçal, constituindo-se a base da discriminação interseccional e da divisão sexual/racial do trabalho na contemporaneidade” (CAL et al., 2020, p. 240).
Nosso problema de pesquisa consiste em questionar como opressões interseccionais e relações de poder regulam condutas e repercutem nos modos pelos quais trabalhadoras domésticas e patroas aderem, compartilham e/ou questionam informações circulantes em relação à pandemia de Covid-19 e seus desdobramentos persistentes– como o aumento da desconfiança em relação a vacinas e a rejeição a evidências científicas.