16/03/2023 . Notícia
Sem atendimento no lugar onde moram, mais da metade dos pacientes com câncer no Brasil têm que viajar, em média, entre 170,3 a 187,3 quilômetros em busca de atendimento. Os dados são de estudo inédito da Fiocruz, que analisou e mediu as distâncias percorridas pelos pacientes com câncer para realizar tratamento em todo país.
Graças a ferramentas de ciência de dados, pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS), da Plataforma de Ciência de Dados Aplicada à Saúde (PCDaS) e do Instituto de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT), todos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), conseguiram identificar 12,7 milhões de procedimentos de tratamentos para diversos tipos de câncer nas bases do Sistema Único de Saúde em dois períodos: de 2009 a 2010 e de 2017 a 2018. Isso permitiu localizar os municípios de residência dos pacientes e as cidades de localização dos serviços de saúde, tornando possível traçar rotas, fluxos de deslocamento e distâncias percorridas por pessoas que precisavam de cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados da pesquisa foram publicados no Lancet em março de 2022.
Estudos já comprovaram que a dificuldade de acessar serviços de saúde do SUS pode agravar e piorar o prognóstico de diversas doenças. Mas, para o câncer, esse fator é ainda mais problemático. Viajar longas distâncias em busca de atendimento pode resultar em quadros mais avançados da doença no momento do diagnóstico, tratamento tardio, pior qualidade de vida e até na morte prematura do paciente, na pior das hipóteses.
Como o câncer é a segunda causa de morte no Brasil, tem havido uma atenção crescente para fornecer aos pacientes acesso adequado às terapias para a doença. Só em 2020, foram registrados 625 mil novos casos no país, e o SUS é responsável por oferecer tratamento para 75% da população.
Apesar da importância do tema, os estudos que haviam se debruçado sobre o problema da acessibilidade abordaram apenas alguns tipos de cânceres, como o de mama, e num único período de tempo, sem avaliar a evolução do acesso aos serviços de saúde.
No estudo inédito da Fiocruz, dados dos sistemas de informação em saúde do SUS foram utilizados para mapear todos os registros de tratamentos de câncer de pacientes de 5.570 municípios dos 26 estados brasileiros em dois momentos diferentes: nos anos de 2009 a 2010 e 2017 a 2018. Os períodos de tempo foram escolhidos porque representam dois momentos diferentes da Política Nacional de Atenção Oncológica, que focava em melhorar o percurso dos doentes em busca de atendimento, uma tarefa difícil num país de dimensões continentais como o Brasil.
Depois de aplicados os filtros de interesse no banco de dados criado para a pesquisa, os pesquisadores chegaram a um total de 12.751.728 de procedimentos de tratamento que foram analisados nos dois períodos. Entre eles estavam 9.518.324 procedimentos de quimioterapia (74%), 2.841.879 de radioterapia (22%) e 391.525 cirurgias (3%).
Depois, os pesquisadores analisaram a distância percorrida entre a residência do paciente e o hospital ou centro de tratamento nos dois períodos de tempo. Os pesquisadores utilizaram a metodologia de Social Network Analysis, ou Análise de Redes Sociais, para analisar os fluxos de pacientes e a importância de alguns municípios na rede como pólos de atração para cuidados ou para recebimento de pacientes. O objetivo era entender quais municípios brasileiros são mais centrais nesta rede, o deslocamento dos pacientes, e se o cenário havia mudado em dez anos.
A plataforma Open Street Map foi utilizada para estimar as distâncias rodoviárias entre o município de residência do paciente e a cidade do tratamento. Pessoas de diferentes localidades viajando para um mesmo destino estabeleceram fluxos e, com isso, foi possível identificar os pólos de atendimento oncológico no país.
No período de 2009 a 2010, 54,6% dos pacientes que sofreram uma cirurgia oncológica, 59% dos que passaram por radioterapia e 49,2% dos que receberam quimioterapia tiveram de viajar para outras cidades dentro de um mesmo estado para serem atendidos. Dez anos depois, a situação piorou um pouco. Entre 2017 e 2018, esses indicadores aumentaram para 56,9% para cirurgias, 60,7% para radioterapias e 54,2% para a quimioterapia. Deslocamentos para outros estados foram bem menos frequentes: entre 2,0 a 3,3% e quase não se alteraram em dez anos.
Em média, esses pacientes percorreram entre 139 a 167 quilômetros para os diversos tipos de procedimentos. E esses valores se mantiveram praticamente inalterados entre 2009 e 2010 e 2017 e 2018. Porém, metade dessas pessoas tiveram de percorrer até 187,3 quilômetros nos dois biênios.
Pacientes residentes nas regiões Norte e Centro-Oeste do país tiveram que vencer distâncias ainda maiores para alcançar os serviços, entre 296 a 870 km. Na região Nordeste, 48% dos pacientes cirúrgicos viajaram 612 km para receber tratamento em 2017-2018. A situação é ainda mais dramática para os moradores dos estados de Roraima e Amapá. A maioria desses pacientes teve de percorrer mais de dois mil quilômetros em ambos os períodos. Para resumir, pacientes do Norte e Centro-Oeste rodam distâncias maiores do que os do Sul, Sudeste e Nordeste.
Não há um parâmetro internacional sobre distâncias máximas, mas em países como Estados Unidos e Japão, 90% dos pacientes vivem a menos de uma hora dos serviços oncológicos. Isso porque, além de agravarem o quadro da doença, grandes deslocamentos provocam fadiga, falta de alimentação adequada e de recursos financeiros. A situação é ainda mais complicada para pacientes que precisam de radioterapia e quimioterapia, procedimentos que exigem regularidade e visitas frequentes. Mulheres com câncer de mama que têm de percorrer longas distâncias para fazer radioterapia têm mais chances de sofrer uma mastectomia – retirada da mama – por exemplo.
Os dados mostram que a disparidade de acesso aos serviços pouco mudou em dez anos, apesar de melhorias pontuais em algumas regiões. Considerando todos os tipos de tratamentos, pacientes que moram nos estados de Rondônia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina tiveram que viajar uma distância menor até os serviços nos últimos dez anos. Já quem vive no Tocantins e no Amazonas teve que rodar mais.
Isso porque a maioria dos polos de atração para atendimento oncológico continuam nas regiões Sudeste e Nordeste, sendo o município de Barretos (SP) o principal hub para todos os tipos de tratamento. Nos dois períodos, a cidade recebeu pacientes de até 1.192 municípios brasileiros diferentes, que representam 94% de todos os atendimentos do hospital. Belo Horizonte, Salvador, Recife, Teresina e São Paulo são outras cidades que concentram grande número de centros ou serviços especializados em câncer.
Junto com os pólos, o estudo mapeou também os municípios com alta demanda por serviços de saúde. Essa informação é essencial para ajudar gestores da saúde a planejarem melhor a implantação de novos centros de tratamento do câncer no Brasil. “Mais centros especializados no Norte do país poderiam melhorar o acesso e encurtar distâncias para pacientes do Acre, Amazonas, Amapá e Roraima, que têm de viajar mais de mil quilômetros para obter atendimento”, explica o pesquisador Raphael de Freitas Saldanha da PCDaS e um dos autores do estudo. “Esperamos que o estudo ajude os gestores a equilibrar melhor a oferta e demanda de serviços”.
Bruna de Paula Fonseca, Priscila Costa Albuquerque, Raphael de Freitas Saldanha, Fabio Zicker
Utilizando ciência de dados e análise de redes sociais, o estudo analisou pela primeira vez as rotas de deslocamento, fluxo e distâncias percorridas por pacientes com câncer para receber cirurgia, radioterapia e quimioterapia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo foi entender quais municípios brasileiros são mais centrais nesta rede e o deslocamento dos pacientes, ao longo do tempo, e se o cenário havia mudado em dez anos.
Este é o primeiro estudo a avaliar a evolução do acesso ao tratamento de câncer no Brasil em dois períodos de tempo diferentes ao longo de dez anos. Até então, os estudos que abordaram o problema focaram apenas em alguns tipos da doença, como o câncer de mama, e em um único período de tempo.
Os pesquisadores exploraram o conjunto de dados nacional do SUS e coletaram 12,7 milhões de registros de tratamentos para todos os tipos de tumores sólidos de 5.570 municípios dos 26 estados brasileiros em dois momentos diferentes: nos anos de 2009 a 2010 e 2017 a 2018, num intervalo de dez anos. Para analisar a distância percorrida entre a residência do paciente e o hospital ou centros oncológicos nos dois períodos de tempo, os pesquisadores utilizaram a metodologia de Social Network Analysis, ou Análise de Redes Sociais, e a plataforma Open Street Map. Por meio da análise dos fluxos de pessoas (origem e destino), foi possível visualizar e identificar cidades que funcionam como pólos oncológicos, atraindo pacientes de todo o Brasil, e também os municípios com maior demanda pelo serviço de saúde.
Os resultados do estudo são úteis para auxiliar na tomada de decisão de serviços de oncologia e para informar formuladores de políticas públicas que: 1. Mais da metade dos pacientes com câncer precisa viajar para receber tratamento no SUS. A distância média percorrida foi de 187 quilômetros, mas alguns pacientes do Nordeste chegam a rodar até 600 quilômetros e os do Norte, mais de dois mil quilômetros. 2. As diferenças regionais de acesso continuam bem significativas e nada mudaram na última década, dificultando sobretudo a vida de pacientes do Norte e Centro-Oeste brasileiros; 3. hubs e pólos de atração estão concentrados em alguns poucos municípios as regiões Sudeste e Nordeste, indicando a necessidade urgente de equilibrar melhor a oferta e a demanda por atendimento especializado, distribuindo de maneira mais efetiva os serviços especializados em câncer no território brasileiro.
O estudo mostrou claramente a grande concentração de tratamentos para câncer em poucas cidades, como São Paulo, Salvador, Recife, Belo Horizonte e Barretos, e as grandes distâncias percorridas pelos pacientes para receber tratamento em todo país, um cenário que praticamente não mudou em dez anos. Os dados alertam para a necessidade de distribuir melhor a implantação de serviços oncológicos no país. Com os resultados do estudo em mãos, gestores poderão planejar melhor a implantação de novos centros de modo a equilibrar melhor a oferta e a demanda por atendimento especializado dentro de seus estados e em nível nacional. O desafio será ampliar a cobertura dos serviços, evitando a ociosidade da infraestrutura de alta complexidade e de profissionais de saúde especializados. Acesse o dado da sua região aqui e descubra o que você pode fazer para melhorar esse cenário.
O câncer é a segunda causa de morte no Brasil (625 mil novos casos em 2020) e o SUS é responsável por oferecer tratamento para 75% dessa população. A falta de acesso aos serviços de tratamento motiva longas viagens e peregrinações, o que pode resultar em tratamento tardio ou inadequado, pior qualidade de vida e até morte prematura do paciente. Apesar da importância da melhor distribuição geográfica dos serviços, poucos investimentos financeiros foram feitos para ampliar a oferta de centros oncológicos e distribuí-la melhor pelo Brasil.
Análises do número de viagens por paciente, tempo de deslocamento e custos podem complementar o atual estudo e gerar mais subsídios para embasar a decisão de onde implantar novos serviços de tratamento de câncer no Brasil.
16/03/2023 . Notícia
15/07/2023 . Notícia